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Meio Ambiente Digital: conceito e acessibilidade

  • Foto do escritor: Prof. Raphael Chaia
    Prof. Raphael Chaia
  • 16 de ago. de 2023
  • 7 min de leitura

O conceito de meio ambiente tradicional, como conhecemos, estĂĄ bem consolidado no artigo 3Âș da Lei n. 6.938/81, a PolĂ­tica Nacional do Meio Ambiente, que diz respeito ao “conjunto de condiçÔes, leis, influĂȘncias e interaçÔes de ordem fĂ­sica, quĂ­mica e biolĂłgica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Tal ideia, porĂ©m, passou por uma sĂ©rie de modificaçÔes – e ampliaçÔes – nos Ășltimos anos, em razĂŁo da complexidade que o tema traz em seu bojo, saindo do campo do natural, e expandindo o conceito para outros ramos – o artificial, o cultural, e o do trabalho. O professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo, ao comentar em sua obra a definição de meio ambiente, ressalta que tal conceito se baseia em uma ideia indeterminada sob o ponto de vista jurĂ­dico, cabendo ao intĂ©rprete das leis promover sua ampla efetivação. Ou seja, diante da fluidez do assunto, Ă© possĂ­vel destacar que o meio ambiente possui um elo direto com quaisquer elementos constitutivos das relaçÔes humanas, e de essencial importĂąncia para sua existĂȘncia – entre eles, a prĂłpria internet.


É sabido que desde a chegada da internet social, na virada do sĂ©culo XXI, temos vivido um fenĂŽmeno caracterizado como uma “sociedade da informação”, ou ainda, nas palavras de Pierre LĂ©vy, uma “sociedade digital”, onde diferentes tecnologias da comunicação constituem a base fundamental para a integração de povos, favorecendo o trĂąnsito de informaçÔes e o trĂĄfego de dados em larga escala e alta velocidade. Destarte o fato de ainda haver barreiras a serem superadas no que diz respeito Ă  democratização do acesso Ă  rede, nĂŁo se pode olvidar que a sociedade digital caracteriza uma nova forma de estabelecimento de relaçÔes sociais, com fundamento na flexibilidade e no incentivo Ă  criação e produção de diferentes tipos de conteĂșdo.


Considerando que a internet evoluiu de um simples meio de comunicação para um complexo espaço de relaçÔes humanas e interaçÔes entre usuårios, em um paralelo com o conceito clåssico de meio ambiente, podemos notar que ambos (espaço físico e digital) necessitam da devida compreensão de uma série de variåveis, como econÎmicas, históricas e até mesmo culturais, o que nos permite compreender de forma mais clara a construção de um conceito em torno de um meio ambiente digital, da mesma forma como hoje jå existe a ideia de um meio ambiente cultural.



Celso Antonio Pacheco Fiorrilo, em sua obra, jĂĄ fazia referĂȘncia ao reconhecimento do chamado meio ambiente digital, a saber:


[...] meio ambiente digital é indiscutivelmente no século XXI um dos mais importantes aspectos do direito ambiental brasileiro destinado às presentes e futuras geraçÔes. Trata-se de um direito fundamental a ser garantido pela tutela jurídica de nosso meio ambiente cultural principalmente em face do abismo digital que ainda vivemos no Brasil.


Ainda com relação à ideia de um meio ambiente digital, o professor Ricardo Silva Coutinho, em artigo publicado em 2014 na Revista Brasileira de Meio Ambiente Digital e Sociedade da Informação, define esse espaço como a:


[...] manifestação da criação humana e parte integrante do patrimÎnio imaterial, sobretudo representado pela tecnologia do espectro eletromagnético (ondas de rådio, TV, celular e internet), deve estar a serviço do desenvolvimento sustentåvel e, portanto, tem que considerar o imperativo de proteção ambiental.


É interessante notar que, na construção de seus respectivos conceitos, tanto o professor Fiorillo, quanto o professor Coutinho, fazem questĂŁo de ressaltar a importĂąncia da tutela jurĂ­dica ambiental sobre as relaçÔes humanas constituĂ­das no espaço digital, uma vez que o meio ambiente digital e todas as inovaçÔes tecnolĂłgicas que o compĂ”em estĂŁo inseridos dentro da ideia de um patrimĂŽnio cultural assegurado constitucionalmente, com inegĂĄvel importĂąncia sob o ponto de vista tecnolĂłgica na vida das pessoas.


Pode-se afirmar, portanto, que o espaço digital representa uma faceta mais moderna dentro do campo do meio ambiente cultural, cuja definição encontra esteio na base principiolĂłgica ambiental, definida expressamente na inteligĂȘncia do art. 225, parĂĄgrafo 1Âș, incisos I, III e VII, da Constituição Federal, bem como no supracitado art. 3Âș, inciso I, da Lei n.Âș 6.938/81, revestindo, de proteção constitucional, a evolução tecnolĂłgica e os benefĂ­cios trazidos por ela no que diz respeito Ă  velocidade da transmissĂŁo de dados, da sociedade da informação, e da prĂłpria evolução das comunicaçÔes. NĂŁo Ă© por acaso, por exemplo, que a internet foi elevada a status de serviço essencial, nos termos do artigo 7Âș, inciso IV, da Lei n.Âș 12.965/14, o Marco Civil da Internet, e reconhecida pela Organização das NaçÔes Unidas (ONU) como um Direito Humano, nos termos do art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos – a ONU jĂĄ se manifestou no sentido que desconectar a população da internet representa uma violação do referido artigo, que protege o direito Ă  liberdade de opiniĂŁo e expressĂŁo.


Podemos compreender, diante de todo o exposto, portanto, que o meio ambiente cultural, que possui previsĂŁo expressa em dispositivos constitucionais, (a saber, os artigos 216 e 220 da CF), ao integrar-se Ă  base conceitual prevista na PolĂ­tica Nacional do Meio Ambiente, a Lei n. 6.938/81, nos permite vislumbrar a construção de uma nova forma de meio ambiente, marcado pela transmissĂŁo de dados e informaçÔes por meio da rede mundial de computadores, promovendo uma revolução no campo da comunicação, constituindo um conjunto de influĂȘncias, interaçÔes e condiçÔes humanas, da mesma forma como descrito no conceito clĂĄssico do meio ambiente natural, representando, assim, um local de livre manifestação de pensamento, criação, expressĂŁo, e informação, sendo vedadas quaisquer restriçÔes indevidas, em conformidade com o mandamento constitucional.


Sendo uma faceta do nosso meio ambiente cultural, o meio ambiente digital divide as mesmas caracterĂ­sticas que o permite classificar como um bem difuso e coletivo. Por isso mesmo, deve estar ao alcance de todos os cidadĂŁos, ao mesmo tempo em que integra fundamentos como a sua abertura, participação e colaboração, nos termos do artigo 2Âș, inciso IV, do Marco Civil da Internet, sendo vedada quaisquer formas de discriminação ou marginalização Ă queles que queiram acessar a rede mundial de computadores. Isso implica, porĂ©m, em reconhecer questĂ”es pertinentes Ă  acessibilidade, e como implementar tais polĂ­ticas no meio ambiente digital.


A ideia de acessibilidade digital estĂĄ atrelada Ă  eliminação de barreiras na internet. O conceito pressupĂ”e que quaisquer sites ou portais sejam desenvolvidos de forma que todas as pessoas possam perceber, entender, navegar e interagir de maneira efetiva com seus conteĂșdos. Quando de sua aprovação em 23 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet representou indubitavelmente um grande avanço no cenĂĄrio jurĂ­dico nacional, vindo a somar Ă  legislação de direito informĂĄtico muitos recursos que passaram a permitir uma melhor governança dentro da rede mundial de computadores, definindo ainda a base para a construção de uma sĂ©rie de normas regulatĂłrias sobre diferentes aspectos relacionados ao direito digital, como proteção de dados, empresas de inovação, crimes informĂĄticos, etc.


NĂŁo sĂł a Lei n. 12.965/14 passou a definir os fundamentos e princĂ­pios para o uso da internet no Brasil, como tambĂ©m trouxe um extenso rol de direitos dos usuĂĄrios, em seu artigo 7Âș. Um deles merece especial destaque, em razĂŁo do que se lĂȘ no inciso XII do referido dispositivo, ao definir como sendo um direitos dos usuĂĄrios a “acessibilidade, consideradas as caracterĂ­sticas fĂ­sico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuĂĄrio, nos termos da lei”.


Por meio desse direito, o Marco Civil da Internet buscou conformar o fundamento da abertura e participação da internet, estabelecendo como meta de empresas de tecnologia, desenvolvedores e provedores de aplicaçÔes, a responsabilidade pelo desenvolvimento de ferramentas de acessibilidade para portadores de necessidades especiais, sejam físico-motoras (como paralisias), sejam sensoriais (visão parcialmente ou completamente comprometida).


Dentro da ideia de um meio ambiente digital, o conceito de acessibilidade não nos parece estranho, uma vez que, se revestido das mesmas características do meio ambiente natural, detém os mesmos elementos de um direito difuso e coletivo, não sendo possível vislumbrar, como jå dito, qualquer tipo de discriminação por parte dos usuårios. Do ponto de vista teleológico e constitucional, o professor Fiorillo corrobora o fato de que o meio ambiente digital precisa necessariamente ser observado à luz dos direitos fundamentais, ao afirmar que:


[...] a cultura digital deve ser interpretada com a segura orientação dos princĂ­pios fundamentais tambĂ©m indicados nos artigos 1Âș a 4Âș da Constituição Federal. Dessa forma, precisamos estabelecer a tutela jurĂ­dica das formas de expressĂŁo, dos modos de criar, fazer e viver, assim como das criaçÔes cientĂ­ficas, artĂ­sticas e, principalmente, tecnolĂłgicas, realizadas com a ajuda de computadores e outros componentes eletrĂŽnicos, observando-se o disposto nas regras de comunicação social e demais meios de comunicação existentes no sĂ©culo XXI, conforme assegura a Constituição Federal nos artigos 220 e 224. [...] O pleno exercĂ­cio dos direitos culturais assegurados a brasileiros e estrangeiros residentes no paĂ­s sĂŁo amparados pelos princĂ­pios fundamentais da Constituição Federal.


Se considerarmos, portanto, que o acesso Ă  internet i) Ă© um direito humano, ii) Ă© um direito difuso e coletivo, iii) um serviço essencial, iv) reveste-se das mesmas caracterĂ­sticas do meio ambiente como conhecemos Ă  luz da Lei n. 6.938/81, e v) tem sua acessibilidade garantida por força da Lei n. 12.965/14, em seu artigo 7Âș, inciso XII, podemos concluir que garantir o acesso Ă  internet de todos os cidadĂŁos, com ou sem necessidades especiais, Ă© condição sine qua non para a persecução da dignidade da pessoa humana.


Ainda na esteira do pensamento de Fiorillo, o meio ambiente digital Ă© sem sombra de dĂșvidas, no sĂ©culo XXI, “um dos mais importantes aspectos do direito ambiental brasileiro destinado Ă s presentes e futuras geraçÔes”. A importĂąncia dada a esse novo meio, e a urgĂȘncia em se garantir a acessibilidade em todos os nĂ­veis, se dĂĄ em face “do abismo digital em que ainda vivemos no Brasil", nas palavras do autor. Para compreender a dimensĂŁo de tal ponderação, Ă© preciso entender que a dignidade da pessoa humana abrange uma enorme gama de valores, bem como o reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade e dos direitos fundamentais de um modo geral, representando uma qualidade intrĂ­nseca do ser humano, que demanda a cada um de nĂłs um tratamento justo e equĂąnime por todos, pessoas fĂ­sicas ou jurĂ­dicas, de direito pĂșblico ou privado. É o reconhecimento de tal dignidade que nos protege contra abusos e violaçÔes, e ao mesmo tempo harmoniza as relaçÔes humanas em uma sociedade. NĂŁo Ă© diferente com a convivĂȘncia nos espaços digitais na sociedade da informação.


 
 
 

Raphael Rios Chaia © 2023 - Todos os direitos reservados

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